Diga cheese! — A Sociedade (quase secreta) de Queijos

Por John Braga, também conhecido como O Queijonista (@oqueijonista), especialista em queijos, escritor e educador, trabalha como cheesemonger na loja de queijos Murray’s Cheese em Nova York, EUA.

Como se fosse ontem, me lembro de ouvir em uma das aulas da Murray’s que não havia pergunta que não pudesse ser feita em aulas de queijos. Segundo a instrutora, muitos deles passavam um ano inteiro lendo livros sobre o assunto, acumulando informações que iam desde a causa dos surtos de doenças ligadas ao queijo nos Estados Unidos, e como evitá-las, à importância do balido da ovelha para o consumidor.

Era tanta informação que eles não viam a hora de poder compartilhá-las; tudo isso para garantir um certificado de uma tal de American Cheese Society. Eu, que já trazia com a fome umas mil e duas perguntas sobre como fazer e melhor apreciar uma roda de queijos, agora não sabia por onde começar.

A ideia de um grupo de anciões se reunindo ao redor de uma longa mesa de jantar, incrustada a mais de 300 metros de profundidade, para elaborar perguntas para um exame, enquanto degustavam o que conheciam como cāseī, foi algo que provavelmente passou pela minha cabeça.

Enquanto eu devaneava, no entanto, o restante da turma já analisava o pequeno Bijou: o primeiro dos seis queijos que degustaríamos naquela aula de Cheese 101. Uma hora mais tarde, quando já não mais havia perguntas sobre o Gorgonzola, deixei a sala de aula, ainda com dúvidas sobre o que era e por que existia uma sociedade para profissionais do queijo.

A Sociedade Americana de Queijos
Em 1983, o renomado professor e cientista Frank Kosikowski, da Universidade de Cornell, convocou uma reunião extraordinária no campus de Ithaca para anunciar à comunidade acadêmica a criação de uma organização de base comunitária, cujo o objetivo era apreciar a produção rural e doméstica de queijos nos Estados Unidos.

Segundo o comunicado, a associação estaria aberta a qualquer pessoa que se interessasse por queijos, suas tradições e histórias, incluindo produtores de queijos de vaca e cabra — na época, a produção de queijos de ovelha e búfala no país ainda era pouco conhecida. Para alguns dos acadêmicos, a ideia parecia absurda, já que não havia qualquer investimento financeiro. Mas quem diria não ao professor Kosikowski?

Aliás, o país já havia testemunhado o nascimento de uma Sociedade Americana de Vinhos no final dos anos 60. Esta organizava anualmente um encontro em âmbito nacional, no qual sommeliers, enólogos, enófilos e, claro, os “eno-chatos” pudessem apreciar, examinar e aprender mais sobre as cepas sendo importadas e cultivadas em solo estadunidense.

Com o crescimento e a notabilidade que a produção queijeira começava a receber nos anos 70, criar um espaço onde profissionais do queijo pudessem discutir passado, presente e futuro da “indústria” era algo que o autor de “Cheese and fermented milk foods” acreditava ser inevitável. Assim, a primeira conferência anual da Sociedade Americana de Queijos acabou acontecendo no mesmo ano da sua criação e contou com a presença de mais de 100 acadêmicos, cientistas, produtores e vendedores de queijos.

O exame ACS Certified Cheese Professional®️

O exame de certificação da Sociedade Americana de Queijos é aplicado uma vez ao ano durante a conferência e avalia a compreensão dos candidatos sobre as competências essenciais comuns à maioria dos empregos na indústria queijeira, tais como produtores, varejistas, distribuidores, educadores, jornalistas, importadores e exportadores.

As 150 questões de múltipla escolha do exame ACS Certified Cheese Professional™️ são elaboradas e revisadas por especialistas no assunto para refletir as práticas atuais na indústria e devem ser respondidas em aproximadamente três horas.
Para se inscrever, o candidato precisa provar que tenha terminado o ensino médio e que tenha trabalhado com queijos por, pelo menos, duas mil horas. Além da experiência, o candidato precisa desembolsar o valor de aproximadamente U$S 175 para associar-se à sociedade, além da taxa de inscrição para o exame que, em 2020, variou entre U$S 500 a U$S 650.

Uma vez aprovado, o candidato recebe o título de Profissional Certificado do Queijo pela Sociedade Americana de Queijos, juntamente com o título ACS CCP™️. A sigla, que geralmente é acrescentada ao final do nome do candidato aprovado, indica que ele adquiriu conhecimento aprofundado e o nível de especialização exigido pela indústria nos Estados Unidos. Empresas renomadas no país, como a Murray’s Cheese, a Eataly e o Whole Foods, não só reconhecem a certificação como fazem questão de enviar os seus funcionários para prestarem o exame.

Contudo, é importante acrescentar que a conferência anual da American Cheese Society é uma experiência que vai além dos exames ou da prosa com queijo e taça na mão. São quatro dias de palestras e trocas de cartões de negócios entre os mais de dois mil membros, que podem mudar o rumo de uma carreira. O participante é exposto a praticamente tudo o que está sendo pesquisado e produzido dentro e fora do país, além de ter a oportunidade de provar a maioria desses queijos, graças à competição entre produtores que é realizada desde 1985.

Dentro e fora do evento, seja presente ou virtualmente, Novo e Velho Mundo se conectam graças à sociedade, em prol de um ofício que matura e envolve incessantemente, mas jamais envelhece: a arte de transformar sal e leite em untuosas rodas de queijo.

Já imaginou uma Sociedade Brasileira de Queijos, sem fins lucrativos, onde pudéssemos apoiar toda a rede queijeira, da base ao topo, como acontece nos EUA? Utopia? Professor Kosikowski certamente diria que não.

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