Ana, você precisa conhecer o Augusto!

Por Falco Bonfadini, comerciante de queijos e fundador da Galeria do Queijo, é vice-presidente da Comerqueijo, um dos organizadores e jurado do Prêmio Queijo Brasil e jurado do World Cheese Awards.

Ana, você precisa conhecer o Augusto!

O Capim não conhece a Ana e a Ana não conhecia o Capim até eu apresentá-lo.

Ela entrou na loja e me contou que precisava de algo especial para uma celebração muito importante para ela. Então tratei de apresentar o Marajó, o Tulha, pensei em algo mais forte e sugeri o Taleggio, mas, temendo que não se comportasse bem até a hora do evento, substituí por um Vale do Testo. Quem sabe um Azul? Experimente esse Cuesta. Faltava uma delicadeza branca aveludada… ovelha: Avecuia! Perfeito.
Escolhidos os queijos, sempre pensando nos sabores, aromas, texturas e preferências do cliente, agora era a hora de pensar em como colocá-los na tábua de modo que seja uma festa para os olhos, antes de ser para as bocas.

A situação acima é verídica, cotidiana e ilustrativa do que é a nossa profissão, ainda sem nome oficial por aqui. Ao menos que eu saiba. Aliás, montamos um grupo no WhatsApp para buscar sugestões, mas não chegamos a uma conclusão: sommelier de queijos (muito francês) e a sua variação, “queijelier”, cheesemonger (que tal algo mais “brasileiro”), queijólogo, queijeiro (já é usada pelo produtor ou o atravessador), queijista, comerciante queijeiro (o melhor, mas muito grande), etc. Dentre todos, o que mais me agrada é “queijista”. O sufixo remete à noção de adepto (liberalista), de ocupação ou ofício (jornalista), de estudioso ou especialista (dentista).

Fato é que é um pouco diferente do balconista de queijos dos supermercados. Não há demérito a esses últimos, mas floresce no Brasil esse novo tipo de profissional que é capaz de fazer mais do que fracionar um queijo e deixar na prateleira para o cliente retirar.

Ele não produz queijos. Trabalha com queijos diferenciados, principalmente os artesanais, conhece a história do produto e do produtor por trás dele, pode sugerir combinações em uma tábua, com outros alimentos e alguns podem oferecer harmonizações com cervejas e vinhos, por exemplo.
Algumas boas lojas surgiram Brasil afora e, certamente, deve haver uma próxima a você. Sugiro fortemente que as procure e que as apoie. A ideia não é substituir os seus queijos e mercados de costume, mas é acrescentar uma parada periódica em um desses estabelecimentos que ajudam a preservar a história, a cultura e, sim, a renda de diversos pequenos produtores.

Voltando à história inicial, Guilherme Ferreira, produtor do premiado Capim Canastra, um queijo exemplar da Serra da Canastra, produziu artesanalmente o seu queijo e nos enviou. Ele não estava aqui quando Ana chegou, mas ele sabe o respeito que temos pelo seu produto. Sabe que será mantido nas melhores condições possíveis até a hora de seguir o seu rumo. E, nesse caso, ele foi para uma celebração de 10 anos de casamento da Ana, que queria surpreender o seu marido com uma linda noite, e nossa tábua de queijos seria a atração principal do cardápio.

O queijista é mais que uma ponte que liga o Guilherme à Ana. Ele é um “navegador”, um app de localização, um GPS, um mapa. Sabendo onde o cliente quer chegar, apresentamos rotas que podem partir de búfalas, no Marajó, passar por ovelhas em São Paulo e terminar com vacas em Santa Catarina.
É também uma conexão atemporal. Queijos do Serro, em Minas Gerais, tem 300 anos de história, mas temos queijos que foram criados o ano passado, como o Jordão, de Santo Antônio do Pinhal, em São Paulo.

E é um trabalho contínuo de busca e descoberta, porque Ana ainda não conhece o Augusto. Porque o Augusto ainda nem existe como produtor formal. Ele tem 16 anos e buscou nosso apoio para regularizar a sua produção de queijo colonial em Santo Antônio da Patrulha, no Rio Grande do Sul. Nesse novo momento do queijo artesanal brasileiro, ele resolveu retomar e profissionalizar a queijaria do pai, toda de madeira (linda, limpíssima, mas, pela legislação, não vai poder continuar nela). Com as suas quatro vacas em lactação, ele sonha em ver os seus queijos, feitos de leite cru, nas lojas do país.

O comerciante queijeiro é parte importante de uma cadeia que busca estabelecer um “mercado” para o queijo artesanal brasileiro, abrindo oportunidades para os produtores e consumidores de hoje, mas também para os produtores e consumidores de amanhã.
Ana, você precisa conhecer o Augusto!

Nesse espaço, pretendo trazer um pouco da visão do lojista de queijos, principalmente o que comercializa queijos artesanais brasileiros. Podemos falar sobre tradição, novidades, eventos, mas, sobretudo sobre o mercado atual e as suas perspectivas, desafios e potencialidades.

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