Diga Cheese: cheesemonger-eando

Por John Braga, também conhecido como O Queijonista (@oqueijonista), especialista em queijos, escritor e educador, trabalha como cheesemonger na loja de queijos Murray’s Cheese em Nova York, EUA.

Toda manhã, antes mesmo de cumprimentar nossos primeiros clientes na Murray’s Cheese, em Nova York, passamos horas recebendo, cortando e embalando uma vasta quantidade de queijos de diferentes formatos, texturas e sabores.

Os queijos chegam à loja da Bleecker Street pelas mãos de um entregador, e não pelas mãos do produtor. Rótulos e adesivos sugerem como e onde os queijos são feitos, mas nem sempre a informação é completa. Antes de chegar às mãos do consumidor, verificamos as condições do produto e estudamos sobre o produtor. Buscamos histórias — e respostas para possíveis perguntas que possam ser levantadas pelo consumidor no decorrer do dia — em livros, revistas e mídias diversas. São horas de dedicação dentro e fora do trabalho. Tudo isso para termos algo a mais do que o habitual “quer provar um pedaço?” para oferecer aos nossos clientes.

Proporcionamos uma experiência do momento em que você descobre os nossos mais de 500 tipos de queijos e charcutaria, acompanhados de histórias de solos, fazendas e famílias, passando pelo mostruário de facas, tábuas e acompanhamentos, até o momento em que você passa o seu cartão de crédito. Se você precisa de um queijo, teremos três para recomendar. Se precisa de receitas, saberemos onde encontrá-las. Se precisa de um acompanhamento, teremos um para cada queijo que pretende degustar. Se não sabe por onde começar, basta procurar um cheesemonger de jaqueta vermelha que ele certamente te ajudará.

Mas o que são cheesemongers?

Cheesemongers são vendedores. Somos queijeiros do tipo que vende e aprecia a arte de engendrar novos sabores através da harmonização de queijos com comidas e bebidas. Somos instrutores, professores dispostos a dar aulas sobre Geotrichum candidum por trás de um balcão, sem cobrar uma única mensalidade por isto. Somos pesquisadores, quase cientistas, já que harmonizamos compostos químicos responsáveis por adicionar sabor e aroma aos alimentos e criamos novas combinações para o seu mais completo deleite. Somos chefs de cozinha e quase cineastas: roteirizamos pratos e escalamos queijos como atores principais e coadjuvantes, sem esquecermo-nos da fotografia. E, claro, somos contadores de história!

Todo queijo tem uma história. Todo produtor também. Nosso trabalho é evitar que um produto vivo perca a sua história de vida em uma prateleira de loja ou supermercado. Suponhamos, por exemplo, que você queira saber por que o seu queijo favorito tem vindo com mofo azul nas últimas semanas. Ou por que ele tem aquela casca e se ela é comestível. Se o queijo fosse vendido em um estabelecimento onde não houvesse um cheesemonger, quem te explicaria o significado de Penicillium roqueforti, por que é comum vê-lo em queijos feitos no estilo Cheddar e como ele veio parar em uma fazenda no estado de São Paulo?

Além disso, aproximamos você da região onde o queijo é feito. Explicamos o conceito de terroir, por que o queijo tem o sabor que tem e, assim, recriamos tradições. Quando você entra em uma loja e pede um pedaço de Manchego, não recomendamos doce de marmelo para acompanhá-lo à toa. Os espanhóis já seguem essa tradição há séculos e queremos que a sensação em cada mordida seja parecida com a de quem vive lá na Mancha. Por quê? Porque este é o nosso trabalho.

Confesso que há quem venda queijos como quem vende sapatos. Não dos sofisticados, mas daqueles que estão sempre em liquidação e só precisam ser constantemente repostos na vitrine. Houve vezes em que entrei em uma loja, escolhi o produto, mencionei um número e, minutos mais tarde, saía dali com o que solicitei na sacola. O processo foi tão rápido quanto comprar queijo tipo parmesão ralado no mercadinho da esquina. E não há nada de errado com isso. Há dias que só queremos algo rápido e prático. Outras vezes, queremos impressionar nossos convidados.

Seria cheesemonger o mesmo que queijeiro?

A palavra monger vem do latim mangō, que significa revendedor ou comerciante. O comerciante de queijos da Roma Antiga viajava por dias e até semanas, por terra ou pelo mar Mediterrâneo, com os seus produtos de alta valia na bagagem, até que eles chegassem às mesas de imperadores e aristocratas da época. Queijos eram usados como oferenda em cerimônias e rituais religiosos. Por isso, transportar e comercializar algo, muitas vezes considerado sagrado, era um trabalho respeitado e feito por poucos.

No Brasil, quem comercializa o queijo é queijeiro. Mas quem o produz, também. O mesmo acontece na França: tanto o vendedor quanto o produtor são chamados de fromager. Mas seria o cheesemonger o que conhecemos como queijeiro? Quando estive em uma loja de queijos em Paris, no ano passado, lembro-me de ter ouvido um “bonjour”, talvez um “merci”, e nada mais. Talvez a minha tentativa de responder com outro “bonjour”, na verdade, gritava: “sou brasileiro e não falo francês”. Fato é que só me lembro do que comprei porque tirei fotos e as compartilhei.

Em outra ocasião, entrei em uma loja na Vila Madalena, em São Paulo, e ouvi a história de um queijo que havia sido maturado em uma cave, onde há mais de um século servira de abrigo para escravos de uma fazenda em Minas Gerais. Ouvir de um vendedor de queijos que um produtor transformara um pequeno espaço, parte de um triste capítulo de nossa história, em um ambiente para maturar um produto vivo, cheio de microrganismos e, consequentemente, trazer um pouquinho de alegria para as nossas mesas, me faz querer voltar e comprar esse queijo novamente.

Ainda hoje, para que o queijo chegue às suas mãos como pretendido pelo produtor, é preciso que haja alguém para preservá-lo. E para que o queijo se destaque em um jantar de família, é preciso que alguém sugira como servi-lo ou degustá-lo. É preciso que haja alguém que te faça querer levar esse queijo para casa. Precisamos de pessoas que nos inspirem enquanto escolhemos nossos queijos. Precisamos de pessoas que continuem espalhando a cultura queijeira pelo país. Precisamos de cheesemongers!

Quer saber o que nós, cheesemongers, estamos cortando e degustando por trás do balcão aqui nos Estados Unidos? Lhes convido a vestir um avental e a me acompanhar. Porquê, nas próximas edições, falaremos sobre queijos e o mercado queijeiro norte-americano.

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