Por Bruno e Juliano Mendes, irmãos e sócios da Pomerode Alimentos, formados em Administração de Empresas e certificados pelo Cheesemaking Certificate Program do Vermont Institute for Artisan Cheese. A Pomerode produz desde uma linha de queijos fundidos até queijos de mofo branco, além de um semiduro chamado Vale do Testo sob a marca Vermont Queijos.
Antes de começarmos a tratar de assuntos mais específicos do dia a dia de queijeiros, resolvemos fazer um resumãocompleto sobre a nossa saga queijeira. Onde tudo começou, o que aconteceu ao longo do caminho e em que pé estamos hoje.
Tudo começa em 2006, período em que éramos cervejeiros e nem sonhávamos em um dia virarmos queijeiros. Como dissemos em nossa coluna da primeira edição, fundamos a cervejaria Eisenbahn, em Blumenau, em 2002. A Eisenbahn foi uma das primeiras cervejarias artesanais a fazer cervejas bem especiais, com mais sabor do que as comerciais encontradas no mercado à época. E por causa dela, da Eisenbahn, acabamos descobrindo o maravilhoso mundo dos queijos.
Assim como organizam uma bela conferência para queijeiros artesanais todos os anos nos Estados Unidos, os americanos também organizam uma conferência para cervejeiros artesanais. Nesta conferência, assistimos a uma palestra muito interessante ministrada por um empresário proprietário de uma cervejaria, a Pyramid, e uma queijaria, a Beecher’s, ambas em Seattle.
O tema da palestra era harmonização de cervejas com queijos, espaço amplamente dominado pelo vinho. O palestrante apresentou a ideia de avançar sobre este terreno e conquistar para as cervejas novos momentos de consumo. A ideia parecia genial e inusitada. Uma ótima estratégia de marketing para uma pequena cervejaria artesanal.
Decidimos nos aprofundar no tema e, não entendendo nada de queijo, achamos que precisávamos, primeiramente, conhecer melhor esse mundo. Acima de tudo, precisávamos descobrir se e quais queijos combinavam com nossas cervejas.
Ainda em 2006, reunimos, no Frangó, o templo da cerveja em São Paulo, amigos do mercado da gastronomia. Desde chefs a jornalistas e cervejeiros. Três queijarias, Serra das Antas, Serrabella e Cooperativa Witmarsum, toparam o desafio e levaram todas as suas variedades de queijos para que pudéssemos prová-las com todos os rótulos de cervejas que produzíamos na época.
Foi uma noite incrível e inesquecível. Surpreendente para muitos. Descobrimos todos juntos, naquele momento, como cervejas e queijos especiais de fato formam uma casamento perfeito.
Passamos a nos aprofundar no tema, para que pudéssemos adotar essa estratégia e convencer os consumidores a darem uma chance ao fermentado de cevada como companhia para o fermentado de leite.
Em 2008, fomos surpreendidos com o interesse de grandes cervejarias na aquisição da nossa pequena cervejaria, que havíamos fundado sem muitas pretensões apenas seis anos antes. Acabamos, por diversos motivos, vendendo o negócio para a Cervejaria Schincariol, hoje pertencente à cervejaria holandesa Heineken.
Montamos três restaurantes em Blumenau e, alguns anos depois, concluímos que nosso gosto mesmo não é por serviço, mas sim pela criação e produção de produtos ligados à gastronomia, diferentes, com algo de novo. A partir disso, a ideia de fazer queijos especiais, já uma paixão de todos nós, veio à mente. Um misto de admiração enorme pela variedade de sabores e experiências proporcionadas pelos queijos com o “feeling” de que havia, nesse mercado, oportunidades de fazer algumas coisas de forma diferente.
Fomos atrás de informação, consultorias, feiras e visitas a laticínios, tanto aqui quanto fora do Brasil. Fizemos um curso teórico e prático sobre queijos artesanais na Universidade de Vermont, nos Estados Unidos.
Como em tudo que fazemos, colocamos paixão e muita dedicação — e com queijos não foi diferente. Para sairmos do convencional, tínhamos que dominar o assunto e não depender de ninguém. Contar com a ajuda, sim. Depender, jamais.
Com o plano já traçado, marca (Vermont) já criada, linha de queijos definida, eis que cruza o nosso caminho a Laticínios Pomerode, empresa fundada no mesmo ano que a Eisenbahn e especializada na produção de queijos fundidos e envasados em bisnagas que lembram cremes ou pastas de dentes. A Laticínios Pomerode se apresentou como uma ótima oportunidade de entrarmos no mercado mais rapidamente do que começando do zero. Ela já tinha SIF, o Serviço de Inspeção Federal, que nos permitiria vender nossos queijos para todo o Brasil. Tinha também pontos de venda excelentes nos maiores centros do país, encurtando bastante nossa entrada no mercado com os queijos Vermont de mofo branco que queríamos lançar. Tinha uma marca forte e tradicional na nossa região, o Kraeuterkaese, ou queijo com ervas. Pomerode se destaca cada dia mais como destino turístico, e ajuda muito fazer produtos artesanais e especiais em um local de forte fluxo de turistas.
Negócio realizado, planos adiados. A ideia de lançar rapidamente nossa nova marca de queijos no mercado precisou ser, por diversos motivos alheios a nossa vontade, adiada por quatro anos. Tempo esse que, de certa forma, nos ajudou a compreender melhor esse segmento. O ano era 2013 e estávamos cheios de vontade de começar algo novo, remodelar a linha existente, desenvolver um trabalho de marketing que tanto nos motiva.
Na prática, quem empreende sabe, os desafios costumam ser maiores que os imaginados. Enfrentamos a maior crise econômica da história do Brasil. As licenças necessárias demoraram mais do que imaginávamos. Mas conseguimos realizar nosso sonho.
Em setembro de 2017, produzimos o primeiro lote de queijo Brie Vermont. Lote inteiramente descartado. E o segundo também. Assim como o terceiro. Descobrimos do jeito mais duro como é difícil começar e produzir conforme planejado um produto tão especial.
Aprendemos na prática, fazendo no dia a dia, o que se pode e não se pode fazer. E o que “não se pode” a gente sente no bolso. É parte do investimento. Mas, como dissemos anteriormente, nos envolvemos de fato na produção. Nós dois aprendemos e da gente saiu o treinamento para a nossa equipe, que está diariamente na borda dos tanques e na sala de maturação, fazendo com que nossas receitas criem vida.
De Brie e Camembert, queijos tradicionais franceses, nos sentimos ousadamente seguros para nos arriscarmos em receitas nossas, como a do Morro Azul, um queijo de mofo branco tão cremoso que precisa de uma lâmina de madeira para dar estrutura a cada peça, e do Vale do Testo, nosso último lançamento, um semiduro de casca lavada com sabores e aromas que lembram amêndoas, defumados e assados.
Essa é nossa história. E de experiências diárias produzindo e vendendo queijos, vamos na sequência entrando em temas mais específicos da vida de um queijeiro. Ou melhor, da deliciosa vida de queijeiro. Problemas e obstáculos, quem não tem? Mas quem faz queijo trabalha para levar prazer e satisfação às pessoas. E, quando isso é alcançado, tudo vale a pena!